
O ano inicia, começam as aulas e eis que com ele surgem as expectativas referentes ao processo de adaptação escolar, vivenciado por muitas famílias, especialmente das crianças menores.
A escola passa ser o espaço de socialização mais amplo vivenciado pela criança. Na época de ingressar na escola, a criança se coloca diante do desafio de se desvincular, ainda que temporariamente, do aconchego familiar e da segurança de uma rotina que até então lhe era confortável para vivenciar os desafios da socialização, passando a conviver com outros coleguinhas, com outros adultos que representarão a figura de cuidado, tendo que se organizar neste contexto em que a atenção não é direcionada somente a ela. Nesse momento, tudo é novo: o espaço, as pessoas, os horários, a rotina e a necessidade de reorganizar suas estruturas mentais para adaptar-se a este novo contexto. Além disso, é também neste lugar que a criança será desafiada a perceber as necessidades do outro, lidará com a sua própria frustração, aprenderá a dividir, a negociar e a expressar seus desejos.
É preciso considerar que há uma gama de novas informações a serem processadas e internalizadas por parte da criança nesta nova realidade que se apresenta na vida dela, desde pequenas coisas, como a rotina de usar o fardamento, calçar o tênis, até aspectos mais complexos da socialização, como a capacidade de se expressar e lidar com conflitos na relação interpessoal.
Para Piaget (1967), há adaptação quando o organismo se transforma em função do meio. Para que haja adaptação e desenvolvimento, é necessário que haja equilíbrio entre a ASSIMILAÇÃO, que traduz estabilidade e continuidade, e a ACOMODAÇÃO, que traduz novidade e mudança.
A Assimilação é uma ação que prevê identificar os estímulos e incorporá-los nos esquemas (estruturas mentais) preexistentes. A Acomodação, por sua vez, é uma atividade pela qual os esquemas necessitam ser modificados em função do meio (Piaget, 1967). Para ilustrar, o autor destaca o exemplo da sucção: a criança, ao aprender a sugar, realiza a sucção do seio primeiramente. Na sucção de outros objetos, por exemplo, não há modificação do esquema, ela apenas reproduz um esquema preexistente de sugar (Assimilação). Quando a criança começa a comer com a colher, o esquema da sucção “não serve”, necessita de ser modificado para que ela se adapte, apreenda e crie novas estruturas para se alimentar e comer com a colher, o que representa a Acomodação.
Considerando os conceitos de Piaget, diante de todas essas novidades, na vivência da adaptação escolar, a criança é requisitada a estar o tempo todo no movimento entre Assimilação e Acomodação, sendo desafiada a criar novas estruturas mentais,
organizar-se e reorganizar psicologicamente para lidar com esse novo contexto. Isso, por consequência, demanda um investimento emocional muito grande.
O ambiente desconhecido, as novas rotinas, a alimentação, as pessoas não familiares, as separações diárias e a ausência da mãe colocam-lhes uma significativa exigência social e emocional (Davies & Bremer, 1991 apud Rapoport & Piccinini, 2001, p.86).
Por isso, é comum a criança apresentar algumas reações, como: demonstrar sensação de insegurança, abandono, angústia e medo, apresentar resistência em ir à escola, colocar a farda, ter reações de raiva, agressividade, apresentar alterações orgânicas (febre, vômito e alterações no sono), resistência à alimentação, retrocessos (voltar a fazer xixi na roupa ou chupar o dedo) etc. (Rizzo, 1994 apud Rapoport & Piccinini, 2001)
De acordo com alguns autores, a adaptação da criança teria início nos contatos iniciais dos pais com o espaço escolar, pois as primeiras impressões influenciam a forma como ela vai se relacionar com o novo ambiente (Vitória & Rossetti Ferreira, 1993, apud Rapoport & Piccinini, 2001).
É importante que a família possa estar envolvida neste processo, reconhecendo primeiramente todo o potencial da criança e atenta às possíveis reações, sobretudo, para apoiá-la e oportunizar que ela vivencie a adaptação de forma tranquila.
Dentre as reações mais apresentadas nesta fase da adaptação, o choro é uma reação genuína da criança que ainda não tem todos os recursos da linguagem desenvolvidos como forma de expressar os seus sentimentos. O choro pode, muitas vezes, ser reforçado pela insegurança e sentimento de culpa dos pais e retroalimentado por um maior desconforto vivenciado pela criança.
É preciso que o choro, no entanto, seja ressignificado, para além de uma perspectiva de “sofrimento” para a criança, como uma oportunidade de desenvolvimento, à medida que ela possa se perceber neste novo espaço, entrar em contato com o seu eu, criar suas próprias estratégias, além de reconhecer suas possibilidades e descobertas.
Referências:
PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. Lisboa Códex. Portugal. 1971.
RAPOPORT, A., & PICCININI, C. A. (2001). O ingresso e adaptação de bebês e crianças pequenas à creche: alguns aspectos críticos. Psicologia: reflexão e crítica. Porto Alegre. Vol. 14, n. 1 (2001), p. 81-95.


